Aos companheiros médios. A quem alcança o mundo do seu quarto e através do seu computador, da sua TV e pelo elevador do seu condomínio. De dentro do carro refrigerado, da sua vaga no estacionamento pago do seu bureau do escritório. Aos que se alimentam das prateleiras dos supermercados e dos delivery por interfone. Aos que honram compromissos e trepam pela Internet. A quem conhece de tudo pelo jornal matinal e se enfurece com as notícias, tão alheias, que vêm. Aos que daí lamentam a ignorância e passividade dos outros. Aos sujeitos cuja tolice deve-se menos à incapacidade de enojar-se do que às alternativas que se apresentam para vencê-la: que te resta cidadão? Arremessar o controle remoto na televisão? Trancar-te no escritório e fazer a revolução? Planejar com os amigos teu projeto de nação? Supor que o que queres é pela população? Quando fechas os olhos a mercadoria ainda dança. Ainda dança.
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Minha estupidez, meu igual, vem do comedimento do meu nojo também. É um asco tão prudente e moderado que jamais deixo que solape meu consolo. Tudo em mim é tão médio e responsável que, embora colecionando mais uma reclamação por reconhecer meus atos evidentemente sonsos, sinto uma preguiça muito maior que a indignação para chegar ao ponto de apresentar a mim mesmo alternativas alternativas às que se apresentam. E sigo a vociferar em vão. Ao serviço de reclamação.
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Mas se tomássemos a perua do Largo da Batata ao Campo Limpo saberíamos que os hits de teclado da periferia não aparecem no Faustão; como o sustento dos peruanos soprando flautinha se forja na Consolação; e o pregador com uma bíblia na praça da Sé encaminha tantos para salvação. Que a cidade que corre apartada de nós é espaço para a ocupação. E o pastor, o teclado e o Amado Batista – vanguarda desta aguda compreensão – são adversários na disputa deste espaço que excede seus muros de lamentação.
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Que se exorte o Zé Celso a extrapolar o Oficina e o Chico Buarque a largar do Tom Brasil. Que as escolas de samba sigam seu carnaval para fora do Anhembi e que os mendigos se banhem no chafariz. E que nós… que nos reunamos e organizemo-nos para ocupar a cidade e tomá-la do sub-prefeito da Sé. Ou que leiamos os nossos jornais, consternados.
Hum…
Só sei que deste mundo eu nada sei… nem sei se essa frase é minha, ou se eu parafraseei…
O importante é o movimento… ficar parado não dá. Armados com mouses teclados e mouses… Avante! Vamo que vamos… Gostei do que vi, do que ouvi e do que senti.
Até breve,
Vinicius Bandeira
Senhor cidadão
senhor cidadão
Me diga, por quê
me diga por quê
você anda tão triste?
tão triste
Não pode ter nenhum amigo
senhor cidadão
na briga eterna do teu mundo
senhor cidadão
tem que ferir ou ser ferido
senhor cidadão
O cidadão, que vida amarga
que vida amarga.
Oh senhor cidadão,
eu quero saber, eu quero saber
com quantos quilos de medo,
com quantos quilos de medo
se faz uma tradição?
Oh senhor cidadão,
eu quero saber, eu quero saber
com quantas mortes no peito,
com quantas mortes no peito
se faz a seriedade?
Senhor cidadão
senhor cidadão
eu e você
eu e você
temos coisas até parecidas
parecidas:
por exemplo, nossos dentes
senhor cidadão
da mesma cor, do mesmo barro
senhor cidadão
enquanto os meus guardam sorrisos
senhor cidadão
os teus não sabem senão morder
que vida amarga
Oh senhor cidadão,
eu quero saber, eu quero saber
com quantos quilos de medo,
com quantos quilos de medo
se faz uma tradição?
Oh senhor cidadão,
eu quero saber, eu quero saber
se a tesoura do cabelo
se a tesoura do cabelo
também corta a crueldade
Senhor cidadão
senhor cidadão
Me diga por que
me diga por que
Me diga por que
me diga porque
Eu quero saber
Tom Zé